Finalmente a corte reunida desembarca, às 15 horas de 7/3/1808, no Rio de Janeiro cuja população total era de 60.000 almas, das quais quase metade eram escravos negros e recebe esta multidão de emigrados precariamente. A chegada à baía da Guanabara é assim descrita por um viajante da época:
Não existe viajante algum que, tendo visto o Rio, não fale com admiração do magnífico espetáculo proporcionado pela baía da cidade. Esta baía é ainda mais vasta que a baía de Constantinopla, pois tem 5 léguas de extensão por ¾ de milha de largura, é defendida por rochas graníticas de efeito grandioso e poderia acolher todas as frotas do mundo sem amontoamento.
Quando se entra na baía, após o sofrimento da longa travessia, fica-se comovido com o esplendor do panorama:
Porém que decepção se sente, oh meu Deus, quando se sai do ancoradouro?! Os perfumes que vem da baía são infectos!! A explicação é simples, a água das casas era transportada pelos escravos de várias fontes em barris semelhantes aos que, no fim da tarde, carregavam os detritos, pois as casas não têm fossa séptica já que o lençol freático, por causa do solo pantanoso, está muito próximo da superfície e todos os detritos domésticos são postos em barris que os escravos põem sobre a cabeça e vem, em procissão, para o mar onde os jogam, dá para imaginar o mau cheiro com o terrível calor do lugar, esses negros são como o símbolo da cidade. E o ponto onde jogam é próximo ao palácio e quem estiver na janela, não pode deixar de ver os horrorosos barris, que vão e vem na água da baía ao cair da tarde e cujo odor se faz sentir até o fundo dos quartos do Palácio Real e do Hotel Pharoux, que hospeda os estrangeiros e fica inabitável conforme a direção do vento. Mais tarde, uma viajante francesa diz que as margens da baía não passam de um vaso sanitário infecto e as praias que pareciam tão belas do navio, eram o receptáculo das imundícies de toda a cidade!!!!
A cidade andava extasiada com as notícias de que estava próximo o dia do rei, em pessoa, estar na exuberante, e acanhada, capital tropical e o vice-rei e capitão geral do Brasil, Dom Marcos de Noronha e Brito, apoiado pelos grandes da terra, preparava a recepção e a instalação da corte, dando exemplo ao despejar-se, a si próprio, do palacete em que vivia para cedê-lo aos ilustres migrantes sem teto. E Portugal, da Inglaterra e França, fortes comerciantes, da Itália vários artistas, da Áustria sábios naturalistas e da costa da África, pretos de várias compleições, num total de 5.000 a 10.000 pessoas. Na realidade, não resta opção para os moradores, pois uma das primeiras leis baixadas pelo regente, D. João, foi o direito de aposentadoria que consta das Ordenações do Reino, nos livros 2 e 4. Essa prerrogativa de aposentos (lugar para morar, daí aposentadoria) era oferecida às pessoas dotadas de privilégios, que detinham os diversos cargos públicos, civis, militares e eclesiásticos e as demais pessoas privilegiadas da sociedade ligada à Corte, quando se deslocavam para outro sítio longe de sua residência, a serviço do Estado, ou do rei, e cuja conseqüência prática foi pedir que os fluminenses que tivessem mais que uma propriedade, a cedessem aos migrados, ordem que era extensiva às lojas e armazéns. Esta lei esteve em vigor até 1818. Para se entender essa forte arbitrariedade há que se entender o poder do rei em uma Monarquia Absoluta onde o Estado era apenas um aspecto da glória do rei e não havia separação nítida entre as ações, desejos e vontades do rei, tanto no Estado como em sua vida particular, pois o rei é o senhor de tudo e reinava no país como dono da casa e em casa como dono do país. A corte do antigo regime estamental é entendida como uma imensa casa do rei, a Casa Real, e essa posse chega a tudo, tanto é que a separação dos fundos econômicos da Casa de Bragança e os fundos do Estado português só serão resolvidos com a criação de um Erário Público no 1o Reinado, por D. Pedro 1o Imperador do Brasil (1822-1831).