Pouco tardou que se espalhasse em toda a cidade a noticia de que a velha possuía uma riqueza
encerrada na sua lata de folha. Por fim, já não se dizia que eram selos do correio, mas velhas
moedas de ouro, jóias raras e preciosíssimas, o diabo!
E era o seu tesouro tão cobiçado, tanta gente lhe falava nele e manifestava o desejo de
examiná- lo, que a tia Aninha, mais ciosa da sua lata de folha que Harpagon do seu cofre, tinha
pesadelos e alucinações terríveis, vivia num contínuo sobressalto, não podia dormir duas horas que
hão despertasse aos gritos, sonhando que lhe roubavam a sua querida lata, o seu
travesseiro.
Agora havia empenhos para hospedá-la; aconselhavam- na a fazer testamento, adulavam-na,
perseguiam- na com uma solicitude que a desvairou, que lhe tirou lentamente o raciocínio e
a saúde.
Mais do que nunca não esquentava lugar, aparecia e logo desaparecia; já não contava às
crianças as suas bonitas histórias de fadas e lobisomens; já não falava a ninguém no seu
romance, sem perceber, coitada! que o seu romance começava agora.
Os pequeninos, que dantes a adoravam, tinham medo dela, e os garotos apupavam-na quando a
mísera passava, com a desconfiança no olhar, desgrenhada, andrajosa, descalça, faminta,
apertando nos braços esqueléticos a sua lata de folha, o seu travesseiro, o seu tesouro.
Uma noite em que a tia Aninha, vagabundeando à-toa, atravessava uma praça deserta e
silenciosa, foi assaltada por um malfeitor que a roubou, depois de atordoá-la com uma paulada.
Conduzida, algumas horas depois, para um hospital, expirou pronunciando o nome do noivo, martirizada menos pela paulada assassina que pela idéia de haver perdido as suas cartas de amor. Fim